Crônica de Milho Verde, a desejar
Ontem ainda era, pelo calendário gregoriano, 1º de julho. E era aniversário do dono do bar que frequento (sem trema). E foi lá, nesse bar, que encontrei o Dino Marangoni que me apresentou ao Carlos Magno e ao Xande. Pois bem, se parasse nessa apresentação, não haveria crônica (pensei agora se se trata de uma paixão crônica por Milho Verde ou de uma paixão aguda, e decidi que se trata de uma paixão crônica, pois tem a ver com isso que chamamos de tempo e que, em uma de suas representações a respeito disso, os gregos chamaram de Cronos – aquele deus terrível que devora os próprios filhos; além disso, ao revisar o texto, pensei que paixão é um termo por demais patológico, então prefiro desejo), porém não parou aí, uma vez que, sabe-se lá..., eu fui comentar com o Dino acerca de uma frase que ele me dissera uma vez no Maletta quando eu lhe participara que estava indo viajar para Milho Verde, ele me disse, mais ou menos, o seguinte: “Em Milho Verde tudo o que você desejar acontece.” Acontece que isso já foi há muito tempo, por isso tem a ver com crônica, mas eu decidi não esquecer. E ontem o Dino me pediu que relatasse isso ao Carlos Magno, o qual, por sua vez, perguntou se poderia colocar esse testemunho no blogue dele, ao que eu, prontamente, disse: só se eu o escrever. Daí a crônica, a paixão, o desejo – que como diz Arnaldo Antunes “é o princípio do corpo”. Então cá estou a escrever, sem prever se vou chegar a Milho Verde, mas em rota de colisão com o desejo, pois, de fato, pude comprovar, por um acaso maravilhoso e maravilhante, que em Milho Verde o que você deseja acontece. Passo logo ao relato: estava eu acampado em Milho Verde em frente ao cemitério de uma igreja (e devia ser algum feriado do calendário litúrgico católico – que é o que vige no Brasil, pois passou uma procissão ao lado de minha barraca pela noite), e, pela manhã, eu me levanto com um desejo absurdo de comer biscoito de milho verde (não sei se existe mais esse biscoito, e não me lembro a marca, e nem a mencionaria se dela me lembrasse – pois o que me importa é o desejo e o biscoito e não o capitalismo, quero dizer o capitalismo tenta demandar ao meu desejo, porém eu tento me desviar dessa demanda não dando importância aos rótulos, aos nomes das marcas, pode parecer uma tentativa vã, mas digamos que eu ganhe corpo ao não ser consumido por uma demanda publicitária) e, perambulando pelo cemitério da igreja encontro uma amiga (não vou dizer o nome, mas era, a meu ver, uma excelente atriz do Grupo Oficina Multimédia) que acabara de casar e estava ali em Milho de lua de mel (apesar de que eu acho que isso é só publicidade religiosa, acho que não existe lua de mel), comendo justamente o tal biscoito de milho verde. Enfim, ela me ofereceu um biscoito, e é claro que eu aceitei. Porém isso não termina assim, e é por isso que eu precisava escrever eu mesmo como disse ao Carlos Magno, eu que sou um Carlos menor, eu precisava escrever o meu desejo crônico. Como? Assim: pego o “bis” do biscoito (e deixo o coito a quem queira se fazer de coitado). Pego o “de novo” de uma coisa impossível, um tempo já devorado, e me anuncio ali naquele exato desejo de viver (é o princípio do corpo, lembremos com o Arnaldo), de viver um gosto: aquele do biscoito de milho verde. Estou eu em Milho Verde, e Milho Verde está em mim, inscrito enquanto desejo (tem aquele adágio “cuidado com o que desejas que teu desejo pode se realizar” ao qual a psicanálise acaba nos apaziguando ao dizer que um desejo é irrealizável), ou melhor, inscrito enquanto ato: desejar. Eis Milho Verde: desejar. Desejar o quê? Não sei, nem me importa. Mas, o mais importante, não me exporta, ou melhor, não me expropria de mim. Pois penso, de fato, que enquanto desejo (o verbo, não a coisa impossível) não sou alienado pelo fluxo alucinatório do capitalismo (é, eu chamo de capitalismo mesmo, preciso colocar sobrenome? então lá vai: neoliberal), e digo alucinatório porque há a alucinação de ao consumir desenfreadamente se realizar alguma coisa. Aí alguém poderia dizer: você andou consumindo alguma droga mofada para estar escrevendo com essa verborragia toda, achando que está falando de Milho Verde. Ao que eu poderia dizer que, sim, só fui a Milho Verde uma única vez e já faz quase vinte anos (pelo calendário gregoriano, não nos esqueçamos). Não acompanho o que acontece por lá. Mas, dentro da ótica que no instante utilizo, lá é aqui, aqui só é aqui se for lá, lá é o lugar do desejo que espacializa o tempo (esse que me é expropriado pelo trabalho). Se eu consumi alguma droga mofada (digamos um cogumelo, que é chamado de fungo como o mofo, e que, dizem, alberga os gnomos) ela se chama leitura. Uma leitura diferente da que é ensinada pelas publicidades. Uma leitura para fora das normopatias. Uma leitura que não recua frente ao desconhecido. Qual desconhecido? Qualquer (o que me lembra o nome de um disco do Arnaldo Antunes). Por exemplo, o desconhecido da própria leitura, do próprio ato de desejar, o qual, neste momento, eu assinalei para uma cidade mineira que fica entre São Gonçalo e o Serro. Uma cidade cuja paisagem me faz desejar. Então, arrematando, eu digo como naquela canção dos Doces Bárbaros (“São João, Xangô menino”): “Viva o Milho Verde!”
Carlos Batista, Belo Horizonte, 02/07/2011
Curioso curió, serei eu, quem és tu, simples mortal, agora eternizado em meus momentos?!
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